segunda-feira, 31 de outubro de 2016

LEMBRANÇAS DO “COMPLEXADO” MULATO LIMA BARRETO


Lima Barreto

Em 1º de novembro de 1922 morria no bairro de Todos os Santos, subúrbio do Rio de Janeiro, o escritor e jornalista Afonso Henriques de Lima Barreto, autor de  "O Triste Fim de Policarpo Quaresma."    


Lima Barreto nasceu em 13 de maio de 1881, numa sexta-feira, no bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro. Filho de João Henriques de Lima Barreto, tipógrafo da Imprensa Nacional, e de Amália Augusta Barreto, professora primária de um colégio que também funcionava na Rua Ipiranga. 

Missa em comemoração a Abolição da Escravidão no Brasil

O escritor foi batizado em 13 de outubro de 1881, na Igreja de Nossa Senhora da Glória, e teve como padrinho Afonso Celso, o Visconde de Ouro Preto, uma ilustre figura da época. Sua mãe morreu quando ele tinha apenas seis anos de idade. Ele participa, com o pai, da missa campal pela celebração da Abolição da Escravatura. Lima guardou uma memória familiar dramática do golpe do 15 de novembro de 1889,  especialmente do governo de Floriano Peixoto.

Princesa Isabel
Em 1909, publicou seu primeiro romance, Recordações do Escrivão Isaías Caminha, onde fez duras críticas a imprensa e aos jornalistas, mais  especificamente ao jornal do Correio da Manhã, que no romance recebe o nome de O Globo. Lima tornou-se mal visto por todos os grandes jornais do Rio. No livro, o escritor também  expôs o preconceito racial que imperava na sociedade brasileira da época.


O romancista  passou maus momentos em sua vida. Há varias passagens em seu “Diário íntimo” em que deixa claro sua tristeza em relação a acontecimentos de sua vida, como ocorre, por exemplo, quando, em determinado momento, lembra de uma passagem de seu passado em que recebeu um convite para assistir à bordo à partida de navios estrangeiros no porto do Rio de Janeiro e sentiu-se contrariado, não concluindo seu intento:
“Fui a bordo ver a esquadra partir. Multidão. Contato pleno com moças aristocráticas. Na prancha, ao embarcar, a ninguém pediam convite; mas a mim pediram. Aborreci-me. Encontrei Juca Floresta. Fiquei tomando cerveja na barca e saltei. É triste não ser branco.”




Lima Barreto, como em inúmeros outros textos de cunho biográfico, deixa claro sua insatisfação com a maneira como os negros (ou mulatos) eram tratados pela sociedade. Em algumas de suas crônicas também se pode perceber como suas opiniões expressas nas revistas e jornais são sinceras e funcionam como denúncia.

Lima Barreto

Da sua revolta, nasceu uma literatura voltada para os personagens do subúrbio. Sua combatividade, camuflava um ser melancólico que encontrou no álcool seu refúgio, que foi tirando sua vida aos poucos. Lima passou a beber cada vez mais nos botequins. Por vezes, depois de várias doses de cachaça, ele era encontrado por amigos dormindo na sarjeta. Chegou a ficar dois meses internado em um hospício quando perdeu o controle de seu vício. Lima morreu jovem, com apenas 41 anos, mas deixou um grande legado literário, entre contos, crônicas, ensaios e memórias.  Mas cabe ressaltar que as suas obras somente tiveram o merecido reconhecimento depois de sua morte.


Francisco de Assis Barbosa (1988) autor da sua biografia A Vida de Lima Barreto e também um dos organizadores das obras completas de Lima Barreto na década dos anos de 1950, partilha da mesma visão de muitos críticos de que Lima Barreto era um ressentido e complexado por sua cor.
            “A verdade é que preconceito de cor sempre existiu e ainda existe no Brasil, em maior ou menor escala. O que acontece é que há os que vencem e se acomodam, como há também os que se deixam marcar com cicatrizes mais profundas, quando não sucumbem às restrições e reservas que se lhes impõem. Questão de temperamento. O caso de Lima Barreto é típico, e bem merece um estudo mais profundo, o que somente um especialista poderia fazer.”
Em vários momentos da obra, Barbosa  utiliza o termo “complexo de cor”, ao se referir as manifestações de Barreto  sobre racismo no Brasil. Fica a dúvida sobre qual é o entendimento de Barbosa sobre vencer e se acomodar aos preconceitos? Ao que tudo indica seria o de se integrar na lógica do embranquecimento. No senso comum se produziu a idéia de que quem luta contra o preconceito e a discriminação no Brasil é um complexado, ou seja, o bom negro ou mulato é aquele que sabe onde é o seu lugar social, “sofre calado” e “não cria problema”. Ou o melhor, não fala sobre racismo.



Lima Barreto tinha consciência do racismo que o atingia profundamente, mas seu biógrafo nos oferece um alternativa simplista que em linhas gerais  ameniza o racismo no Brasil e culpa a vítima. Uma visão que “insistentemente” permanece no imaginário da sociedade brasileira. 



 Por que conhecer e ler as obras de Lima Barreto? porque não somos um país complemente livre. porque somos um país socialmente injusto, porque somos um país onde os pobres continuam pobres e as elites lutam com todas as forças para  impedir que seu status quo seja abalado. Não é para conhecer e aprender português que se ler Lima Barreto. Com Lima Barreto se aprende a conhecer o Brasil.




Para saber mais sobre Lima Barreto acesse ao link abaixo:

sábado, 8 de outubro de 2016

BRASIL: IMAGENS DE GUERRAS E REVOLTAS - A Guerra do Contestado


4ª Companhia de Metralhadoras


 A Guerra do Contestado começou em 22 de outubro de 1912 e teve fim há 100 anos, em agosto de 1916.  O conflito foi uma disputa pela região conhecida como “Contestado”, localizada entre Paraná e Santa Catarina. Essa região era rica em recursos naturais, o que permitiu a subsistência do sertanejo local. Essa região era habitada desde a época colonial. Já no período imperial começou a distribuição da população pelo espaço rural.

 "monge João Maria"

Muitos camponeses haviam sido contratados para a construção de uma Estrada de Ferro, mas, com o término da obra, foram demitidos e expulsos da região do Contestado. Uma empresa estrangeira construiu uma madeireira, e os camponeses perderam a exploração de madeira como fonte de renda. Nessa fase da história do Contestado começaram a deslocar-se pela região alguns indivíduos dotados de grande carisma, que alentavam a população pobre de suas mazelas com pregações religiosas, e uma organização social que uniu os sertanejos em torno de um grande líder. Esses fatores deram ao sertanejo um caráter messiânico, onde a figura máxima foi o monge João Maria.


General Setembrino

Durante muitos anos apareceram e desapareceram diversos "monges", confundidos com o próprio João Maria. Em 1912 surgiu na cidade de Campos Novos, no interior de Santa Catarina, o monge José Maria. Aconselhando e curando doentes a fama do monge cresceu, a ponto de receber a proteção de um dos mais importantes coronéis da região, Francisco de Almeida. Vivendo em terras do coronel, o monge recebia a visita de dezenas de pessoas diariamente, provenientes de diversas cidades do interior. Proteger o monge passou a ser sinal de prestígio político, por isso, a transferência de José Maria para a cidade de Taquaruçu, em terras do coronel Henrique de Almeida, aguçou as disputas políticas na região, levando seu adversário, o coronel Francisco de Albuquerque, a alertar as autoridades estaduais sobre o desenvolvimento de uma "comunidade de fanáticos" na região.
A utilização da aviação para reconhecimento  



Durante sua estada em Taquaruçu, José Maria organizou uma comunidade denominada "Quadro Santo", liderada por um grupo chamado "Os Doze pares de França", numa alusão à cavalaria de Carlos Magno na Idade Média, e posteriormente fundou a "Monarquia Celestial".




Ao iniciar a Segunda década do século, o país era governado pelo Marechal Hermes da Fonseca, responsável pela "Política das Salvações", caracterizada pelas intervenções político-militares em diversos estados do país, pretendendo eliminar seus adversários políticos. Além da postura autoritária e repressiva do Estado, encontramos outros elementos contrários ao messianismo, como os interesses locais dos coronéis e a postura da Igreja Católica no sentido de combater os líderes "fanáticos".


Ferido sendo atendido em Hospital de Campanha

Tropa em travessia do rio 


O primeiro conflito armado ocorreu na região de Irani, ao sul de Palmas, quando foi morto José Maria, apesar de as tropas estaduais terem sido derrotadas pelos caboclos. Os seguidores do monge, incluindo alguns fazendeiros reorganizaram o "Quadro Santo" e a Monarquia Celestial; acreditavam que o líder ressuscitaria e o misticismo expandiu-se com grande rapidez. Os caboclos condenavam a república, associando-a ao poder dos coronéis e ao poder da Brazil Railway.

 
Tropa em posição de combate


No final de 1913 um novo ataque foi realizado, contando com tropas federais e estaduais que, derrotadas, deixaram para trás armas e munição. Em fevereiro do ano seguinte, mais de 700 soldados atacaram o arraial de Taquaruçu, matando dezenas de pessoas. De março a maio outras expedições foram realizadas, porém sem sucesso.






A organização das Irmandades continuou a se desenvolver e os sertanejos passaram a Ter uma atitude mais ofensiva. Sua principal líder era uma jovem de 15 anos, Maria Rosa, que dizia receber ordens de José Maria. Em 1° de setembro foi lançado o Manifesto Monarquista e a partir de então iniciou-se a "Guerra Santa", caracterizada por saques e invasões de propriedades e por um discurso que vinculava pobreza e exploração à República. 




A partir de dezembro de 1914 iniciou-se o ataque final, comandado pelo General Setembrino de Carvalho, mandado do Rio de Janeiro a frente das tropas federais, ampliada por soldados do Paraná e de Santa Catarina. O cerco à região de Santa Maria determinou grande mortalidade causada pela fome e pela epidemia de tifo, forçando parte dos sertanejos a renderem-se, sendo que os redutos "monarquistas" foram sucessivamente arrasados.



Acampamento da tropa

Armamento embarcado

Com quase quarenta e cinco meses de conflito, a Guerra do Contestado superou até mesmo a Guerra de Canudos em duração e número de mortes. Famintos e com cada vez mais baixas, diante do conflito prolongado, da força e crueldade das tropas oficiais e da epidemia de tifo, os revoltosos caminharam para a derrota final, consumada em agosto de 1916 com a prisão de Deodato Manuel Ramos, último líder do Contestado que foi morto após uma tentativa de fuga.
     Segue o link para assistir ao filme: A Guerra dos Pelados.(A Guerra do Contestado)

https://youtu.be/KnSvUJP0tr4




quarta-feira, 5 de outubro de 2016

BRASIL: IMAGENS DE GUERRAS E REVOLTAS - A Revolta da Vacina





No início do século XX, era precária a situação no Rio de Janeiro. A população sofria com a falta de um sistema eficiente de saneamento básico. Esta situação possibilitava o aparecimento  de constantes epidemias, entre elas, febre amarela, peste bubônica e varíola. A população de baixa renda, que moravam em habitações precárias, era a principal vítima desta conjuntura. No centro do Rio de janeiro – a Cidade Velha e adjacências – eclodiam habitações coletivas insalubres (cortiços), epidemias de febre amarela, varíola e cólera, conferindo à cidade a fama internacional de porto sujo ou “cidade da morte”, como se tornara conhecida.

Osvaldo Cruz


Na segunda metade do século XIX, o governo imperial tinha iniciado um processo de modernização dos serviços públicos da capital, com iluminação a gás, introdução das linhas de bonde de tração animal rede de esgoto e coleta de lixo, e as experiência com a energia elétrica  vinham se intensificando abrindo assim novas perspectivas.   
Com a queda da monarquia, e a chegada ao poder do regime republicano, iniciou-se um processo de o incentivo a industrialização. As novas fábricas ficam localizadas nos arredores, porém haviam unidades que estavam localizada no centro urbano, além de pequenas oficinas.
Esses problemas, advindos do crescimento rápido e desordenado, com o declínio do trabalho escravo, a cidade passara a receber grandes contingentes de imigrantes europeus e de ex-escravos, atraídos pelas oportunidades que ali se abriam ao trabalho assalariado. Entre 1872 e 1890, sua população duplicou, passando de 274 mil para 522 mil habitantes.  
O Rio de Janeiro, na passagem do século XIX para o século XX, era ainda uma cidade de ruas estreitas e sujas, saneamento precário e foco de doenças como febre amarela, varíola, tuberculose e peste. Os navios estrangeiros não atracavam no porto carioca, e os imigrantes recém-chegados da Europa morriam às dezenas de doenças infecto contagiosas. A República necessitava de um símbolo que lhe desse visibilidade permitindo ao país entrar na modernidade. Para resolver esses problemas, ao assumir a presidência da República, Francisco de Paula Rodrigues Alves instituiu como meta governamental o saneamento e reurbanização da capital da República. Teve então o inicio a reforma urbana, período conhecido popularmente como “Bota abaixo”, visando o saneamento, o urbanismo e o embelezamento, dando ao Rio de janeiro ares de cidade moderna e cosmopolita.





Para assumir a frente das reformas nomeou-se Francisco Pereira Passos para o governo municipal. Este por sua vez chamou os engenheiros Francisco Bicalho para a reforma do porto e Paulo de Frontin para as reformas no Centro. Rodrigues Alves nomeou ainda o médico Oswaldo Cruz para o saneamento.
O Rio de Janeiro passou a sofrer profundas mudanças, com a derrubada de casarões e cortiços e o conseqüente despejo de seus moradores. A população apelidou o movimento de o “bota abaixo”. O objetivo era a abertura de grandes bulevares, largas e modernas avenidas com prédios de cinco ou seis andares.




Ao mesmo tempo, iniciava-se o programa de saneamento de Oswaldo Cruz. Para combater a peste, ele criou brigadas sanitárias que cruzavam a cidade espalhando raticidas, mandando remover o lixo e comprando ratos. Em seguida o alvo foram os mosquitos transmissores da febre amarela. Finalmente, restava o combate à varíola. Autoritariamente, foi instituída a lei de vacinação obrigatória. Oswaldo Cruz encaminha ao Congresso Nacional, em 31 de outubro, uma proposta de lei sobre a obrigatoriedade da vacinação, a chamada Lei da Vacina Obrigatória.  A sugestão foi transformada em um projeto legislativo, que gerou insatisfação de diversos setores da população.  
A população não acreditava na eficácia da vacina. Os pais de família rejeitavam a exposição das partes do corpo a agentes sanitários do governo.
A vacinação obrigatória foi o estopim para que o povo, já profundamente insatisfeito com o “bota-abaixo” e insuflado pela imprensa, se revoltasse.





No dia 10 de novembro de 1904, um orador foi preso no alto do palanque enquanto discursava contra a vacina e sua obrigatoriedade.  Durante uma semana, a população enfrentou as forças da polícia e do exército até ser reprimido com violência. O episódio transformou, no período de 10 a 16 de novembro de  1904, a recém reconstruída cidade do Rio de Janeiro numa praça de guerra, onde foram erguidas barricadas e ocorreram confrontos generalizados. paus e pedras dos casarões demolidos serviram de armas para a população, que temerosa em ser vitima de um extermínio em massa, lutavam por suas vidas, influenciada pelos principais meios de comunicação da época. 
No dia 14 de novembro a Escola Militar da Praia Vermelha decidiu unir-se ao povo e aderir ao levante. A vacina era apenas um pretexto para a eclosão de uma Rebelião, pois a inflação, o achatamento salarial, o aumento abusivo dos aluguéis, e o projeto excludente e elitista da remodelação do centro da Capital, para os cadetes com ideais  positivistas, não se tratava apenas de uma traição aos ideais do golpe republicano de 1889, tratava-se também da ocasião perfeita para derrubar os cafeicultores paulistas que haviam assumido o controle da nação a partir de 1894.  Após declarar que somente morto sairia do palácio, Rodrigues Alves conseguiu tropas leais ao governo, decretando a repressão à revolta.
Do lado popular, vários foram os que se levantaram contra as medidas autoritárias,  um dos líderes do movimento foi Horácio José da Silva, mais conhecido como Prata Preta, que era um capoeirista e estivador, morador da cidade do Rio de Janeiro. É considerado por muitos um símbolo da luta contra o governo durante a Revolta da Vacina, em 1904 Liderou mais de 2 mil pessoas na barricada de Porto Arthur contra o exército, constando que chegou a matar um soldado durante um dos ataques.Foi preso e deportado para o Acre.
No dia seguinte, Rodrigues Alves solicitou, e o congresso aprovou o Estado de sítio, válido por um mês. Aproveitando-se das prerrogativas do regime de exceção, a polícia e as tropas invadiram cortiços e favelas, prendendo não apenas quem participara do motim, mas desempregados e desvalidos em geral. A revolta deixou um saldo de 30 mortos, 110 feridos e 945 presos, dos quais 461 são deportados para o Acre e a vacinação prosseguiu.     
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