MEMÓRIAS DA FAIXA DE GAZA
A
minha primeira postagem é justamente para apresentar o resultado de alguns anos
de pesquisa sobre um tema pouco conhecido da população brasileira e que só a
pouco tempo despertou a atenção do País. A imprensa tem dado bastante destaque
a presença de militares brasileiros na Missão de Paz do Haiti. Desde 2004 até
os dias atuais, no Haiti, o Brasil lidera a Missão de Paz da ONU, denominada MINUSTAH,
em francês, Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haiti, em
português, Missão das Nações Unidas pela Estabilização do Haiti. Ao contrário
do que se acredita, o Brasil possui grande experiência em operações de missões
de paz. O País já esteve mais longe do que se pensa sobre o assunto.
A Faixa de Gaza que tem sido palco permanente do longo conflito judeu-palestino e o assunto constante do noticiário internacional, já foi o centro das atenções de muitas famílias brasileiras. Apesar desse fato, boa parte da população não tem conhecimento que o Brasil enviou para aquela região, durante cerca de dez anos, pouco mais de seis mil militares do Exército Brasileiro, distribuídos em 20 contingentes. Entre 1957 e 1967, muitos jovens do Brasil deixaram seus lares em busca de aventura e melhor situação financeira. O Batalhão Suez, como ficou conhecido na época o contingente de militares que atuou no Oriente Médio a serviço da Organização das Nações Unidas (ONU), recebeu a missão de apaziguar o conflito entre Israel e Egito. O Batalhão integrou a United Nations Emergency Force - UNEF que era composta por mais oito países.
Apesar de apresentar a minha dissertação de
mestrado no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de
Pelotas – UFPel em 28 de maio do corrente ano, logo percebi que faltava algo para complementar a nossa pesquisa e que não bastava terminar na banca examinadora ou muito menos em uma caixa de arquivo empoeirada. Produzir
um trabalhado de pesquisa voltado somente para a academia não atingia o
objetivo da pesquisa desenvolvido sobre o tema. Consideramos que a importância
histórica da participação do Brasil na Missão de Paz da ONU no Oriente Médio motivou
a necessidade de “ampliar" o acesso ao resultado da pesquisa.
Na verdade a possibilidade, ainda que de forma
tímida, de produzir um documentário, ou algo próximo disso, veio com a inclusão
das entrevistas na pesquisa e consequentemente na dissertação. No processo
final de seleção desses depoimentos, chegou-se a conclusão de que menos de 10%
do material das entrevistas foi utilizado na dissertação. A partir dessa
constatação pensamos nessa possibilidade.
A pesquisa tomou um rumo que não estava previsto. Após mais de 5 anos utilizando a documentação do acervo do Arquivo Histórico do Exército – AHEx e o acervo de dados digitalizados da Associação dos Integrantes do Batalhão Suez, havia a certeza de que era mais do que o suficiente o material pesquisado. No entanto, em nossas discussões com os orientadores surgiu a sugestão de buscar entrevistas com os veteranos do Batalhão Suez residentes na cidade de Pelotas, ou seja, iríamos entrar no campo da História Oral.
Inicialmente não recebi a idéia de bom grado,
pois não estava nos planos trabalhar com
entrevistas, mas colocamos em prática a
sugestão. Após várias tentativas, finalmente encontramos um pequeno grupo de
veteranos em Pelotas que se reúnem com frequência em confraternizações.
Conseguimos contatos com 6 veteranos do Batalhão Suez que concordaram em dar
seus depoimentos sobre a atuação do
Batalhão, que possuía o quartel-general na cidade de Rafah na Faixa de Gaza.
Sem uma certeza do que seria produzir um
documentário, providenciamos para que todas as entrevistas fossem registradas
em vídeo. Mesmo correndo os riscos de “pisar em um terreno desconhecido”,
resolvemos produzir “uma tentativa” de um documentário. Com as primeiras
entrevistas, as surpresas iam surgindo e as lacunas deixadas pelos documentos
eram preenchidas pelos depoimentos.
Mas tivemos a preocupação quanto a
diversidade dos depoimentos, já que haviam entrevistados somente de três contingentes. Na pesquisa
tínhamos conhecimento de que o retorno do último contingente foi conturbado. A volta do 20º Contingente coincidiu com o
início da Guerra dos Seis Dias, o que motivou o nosso interesse em entrevistar também algum veterano do 20º
Contingente.
Com os depoimentos concluídos e sem encontrar
alguém do 20º Contingente, finalizamos as entrevistas e apresentamos a dissertação, de certa
forma frustrado com a lacuna deixada.
Em junho do corrente chegou ao meu
conhecimento que havia um veterano do 20º Contingente residindo na cidade
Canguçu-RS, distante 55 Km de Pelotas. Recebi a informação que esse veterano teria
um ferimento provocado por estilhaços, por conta das ações do exército de
Israel durante a Guerra dos Seis Dias. Após várias tentativas conseguimos
entrar em contato com esse cidadão que se prontificou a conceder a entrevista.
Seguimos com a filmadora para Canguçu.
Os depoimentos do veterano do
20º Contingente revelaram fatos desconhecidos da Guerra dos Seis
Dias, que foram relatados por alguém que esteve na “linha de tiro” durante o
conflito e que por muita sorte está entre nós para falar sobre o que realmente
ocorreu no dia 5 de junho de 1967, no Monte Sinai.
Consideramos que os depoimentos desses veteranos do Batalhão
Suez foram fundamentais na pesquisa. Apesar dos documentos analisados, sem
sombra de dúvida, esses relatos emocionantes preencheram as lacunas na memória de
um Batalhão que fez história e que precisa ser reconhecida.
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