BBC - 11
agosto 2015
Winter é é pesquisador sênior da
Fundação Quilliam, em Londres, onde estuda movimentos jihadistas no Iraque e na
Síria. Em artigo à BBC, ele explica como essas peças de propaganda têm se
tornado uma arma do EI para recrutar novos integrantes.
Eu
venho pesquisando sobre a propaganda feita pelo autodenominado "Estado Islâmico"
há bastante tempo – faz parte do meu trabalho. Em um dia normal, eu não me
choco tanto.
Reconheço que o que está diante de mim é horrendo, mas eu
raramente sinto o horror total ao ser exposto às suas brutalidades.
No entanto, no dia 4 de julho, um vídeo específico do EI
fez com que meus mecanismos de defesa normais falhassem. Um grupo de
adolescentes estava diante de 25 supostos soldados pró-Assad ajoelhados. Os
garotos apontavam armas para a cabeça dos soldados.
O cenário para essa assustadora execução era o Teatro
Romano de Palmira.
Como sempre faço, interrompi o vídeo antes da execução em
si. Acabei me acostumando com a violência extrema do EI, mas esse vídeo era
diferente, porque na minha mesa – onde faço toda a minha pesquisa – tenho uma
foto tirada há cinco anos, em que eu, com a minha esposa, meu pai e minha
madrasta estamos nesse exato lugar.
Naquela época eu morava na Síria, e eles me visitaram pouco antes de eu ter de sair do país, que rapidamente se afundava em uma guerra civil.
Desde então, tenho acompanhado a situação do país,
pesquisando a trajetória dessas facções jihadistas. Frequentemente, vejo
lugares que visitei ou monumentos destruídos por essa guerra terrível, como a
cidade antiga de Alepo, o anfiteatro de Bosra ou o incrivelmente bem preservado
castelo Krak des Chevaliers.
Mas eu nunca tinha visto nada como o vídeo da execução em
Palmira. Eu não conseguia parar de pensar naqueles homens baleados, nas
crianças usadas para matá-los.
Apesar eu de eu ter quase certeza sobre o porquê de o EI
ter feito isso, não consegui responder completamente a essa pergunta, com
certezas baseadas em provas. Então decidi que, além da minha pesquisa, eu
precisava de dados para tentar entrar na mente de um propagandista, do
"marqueteiro" do EI.
Eu queria descobrir qual a intenção desses vídeos e o que
eles dizem sobre o próprio "Estado Islâmico". Sabemos que os que
apoiam ideologicamente o grupo são atraídos e se sentem gratos por essa
propaganda militar e de violência extrema. Mas e o restante? E os milhares de
homens civis, mulheres e crianças que deixam suas casas pelo califado do EI?
Decidi que essa minha imersão no mundo do EI duraria um
mês, duas horas por dia, navegando entre suas várias formas de propaganda, em
redes em árabe do Twitter, procurando pelas dezenas de hashtags usadas por
eles.
O que eu descobriu foi algo chocante, mas não por conta
de sua brutalidade. Em apenas 30 dias, os marqueteiros do EI divulgaram 1.146
peças de propaganda: fotos, vídeos, depoimentos em áudio, boletins de rádio,
textos, revistas, pôsteres, panfletos, documentos teológicos – a lista é
imensa. E muito desse material é divulgado em até seis idiomas. Tudo
apresentado de maneira uniforme, incrivelmente bem executado, nos menores
detalhes.
Um incrível nível de propaganda, possivelmente sem igual em outros movimentos extremistas violentos.
No começo, o tipo de propaganda parecia familiar, como
boletins sobre ações militares e o coquetel habitual com violência extrema,
objetivos militares, vitimizações, casos de misericórdia e mostras do espírito
de camaradagem que eles dizem que predomina entre combatentes estrangeiros.
A ideia da utopia estava sempre presente – justiça
social, economia, puritanismo religioso e a constante expansão do
"califado".
Em outros dias, eram mostradas, em vídeos ou fotos,
combatentes exibindo seu treinamento ou em operações militares.
Mas, em sua maioria, as peças de propaganda estavam
preocupadas em redefinir a visão do que é uma vida "normal" - uma
oficina em Mossul, jornais sendo distribuídos em Fallujah, a construção de uma
calçada em Talafar, cigarros confiscados em Sharqat.
O exercício de marketing e de fortalecimento da marca era
incansável. Temas específicos e narrativas-chave ganhavam destaque, mas foi só
depois de um mês que eu pude identificar as tendências. E me deparei com o
segredo da estratégia de mídia do EI: produzir, produzir e produzir.
Ao criar tanto conteúdo que é literalmente impossível de
se rastrear totalmente, os responsáveis pela mídia tentam prevenir que nós entendamos
o que eles estão fazendo.
Há uma constante justaposição entre vida civil e militar, com o cotidiano em uma padaria à destruição de locais de "idolatria", de parquinhos infantis a um homossexual sendo apedrejado.
Em meio a isso, há uma narrativa intensa de vitimização,
mostrando crianças mortas ou amputadas, mulheres e idosos falando para câmera
sobre os problemas com os ataque inimigos.
Também foi possível identificar que muitas das imagens
horrendas, como decapitações ou "inimigos" sendo mortos por explosivos
que eles foram obrigados a sentar em cima, foram usadas como um alerta de
tolerância zero para potenciais dissidentes.
Mas é importante observar que esses alertas eram
escassos. Os marqueteiros do EI querem assustar e brutalizar sua audiência, mas
eles não querem dissensibilizá-las totalmente.
Na incrível quantidade de informação, há mensagem para
todos: punições brutais para amedrontar e intimidar inimigos, agricultura e
indústria em pleno vapor para aqueles procurando por prosperidade econômica,
amputações e apedrejamentos para atrair os que buscam por ordem e poder.
E é preciso ter em mente que para muitos vivendo sobre o
domínio do EI, a propaganda deles é a única fonte de notícias e de informação.
Em julho, embarquei num projeto cujo objetivo era
aprofundar o entendimento da estratégia de marketing do EI. No entanto, o que
veio à tona foi algo muito mais útil.
Analisando todos os seus veículos de mídia, mesmo que só
por um mês, pude dissecar e avaliar os meios pelos quais o grupo se projeta, tanto
dentro como fora de suas portas.
Munidos com a continuação desse projeto – com o
conhecimento exato sobre o que os líderes do EI querem projetar e como eles
querem fazer isso – talvez os que estão lutando contra o grupo possam desafiar
o monopólio de informação deles de uma maneira mais efetiva.
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