Análise: Quais podem ser as consequências do ataque para os muçulmanos
na Europa?
Rafael Gomez* Da BBC Brasil em Londres
Par de tenis deixado durante a fuga do local onde ocorreu um dos atentados. |
Eles
potencialmente geram um fator de união (como sempre ocorre neste tipo de
tragédia) em relação ao tema mais delicado do momento nas relações entre os
países do continente: a formulação de uma política comum em relação à onda de
imigração proveniente de países de maioria muçulmana.
Nunca
se tornou mais urgente a busca de uma solução comum. Neste momento, a reação na
França é, como não poderia deixar de se esperar, de intensa comoção e choque. O
próximo passo, que já se faz ouvir em meio às lágrimas e o sangue, será a busca
de culpados.
Bandeira do Estado Islâmico |
Agora
que o grupo autodenominado "Estado Islâmico" reivindicou a autoria do
ataque, o natural é que a maior parte da opinião pública pressione as
autoridades para que tomem alguma atitude contra os muçulmanos como um todo -
punindo-os coletivamente, ante a dificuldade de sempre de separar-se os
muçulmanos radicalizados dos não.
Dada
a escala do massacre, é muito possível que essa visão prevaleça no gabinete do
presidente François Hollande, em vez da visão comedida de não escalar a
"guerra" contra os muçulmanos em um país em que tantos seguem a
religião.
François Hollande - Presidente da França |
E
a reação mais fácil nesse sentido seria fechar as fronteiras. Não de forma
emergencial, como foi anunciado pelo próprio Hollande após o ataque. Mas
eliminar a concessão de refúgio, fechar de forma indeterminada a entrada dos
sírios e afegãos que atravessam o continente em um dos maiores movimentos de
migração da história recente. Negar-se a receber mais imigrantes, por ora.
Como
esse movimento de um dos países maiores países da Europa Ocidental afetaria a
reação de seus vizinhos - especialmente a Alemanha - em relação à imigração?
Auspicioso
o momento em que ocorre o ataque - ao final de uma semana que teve a cúpula dos
países europeus e africanos, em que os europeus tiveram novamente a
oportunidade de discutir a saída comum.
Angela Merkel - chanceler da Alemanha |
Nela,
foram contrapostas as visões já conhecidas. A da Alemanha, defensora de que os
imigrantes sejam distribuídos entre os países europeus seguindo um regime de
cotas. A britânica, que prega que os imigrantes recebam ajuda e eventual
refúgio antes de arriscarem a vida na travessia entre Turquia e Grécia.
Não
houve avanços. A Europa permanece dividida. Mas surgiram mais sinais que, com o
ataque na França, devem ser agravados.
Por
exemplo: a Suécia, o país que, proporcionalmente à população, mais concedeu
refúgio a imigrantes entre janeiro e junho, anunciou durante a reunião a
reintrodução de checagem de fronteiras – tornando-se mais um país a colocar em
xeque as regras do Espaço Schengen, de livre circulação no espaço da UE.
A direita européia
Também
é necessário ver os ataques sob o contexto de crescimento dos partidos de
direita em vários países da Europa. E, na França em especial, da Frente
Nacional, de Marine Le Pen.
A
semente da xenofobia que alimenta esses partidos já há muito desabrochou e gera
frutos. Que efeito um ataque dessa magnitude em território francês teria sobre
esse sentimento?
É
natural imaginar que, na França e em países vizinhos, as mortes apenas reforcem
os argumentos desses partidos de que uma resposta mais contundente precisa vir,
de alguma forma.
Que
não se leve em conta que a França já é um dos que menos concedem asilo em
relação ao total da população (ganhando apenas de Finlândia e Reino Unido),
segundo levantamento da Eurostat, a agência estatística européia.
E
a corda, como diz a sabedoria popular, sempre tende a arrebentar do lado mais
fraco - neste caso, os imigrantes.
O fim do multiculturalismo?
E
os muçulmanos que já estão na França, o que podem esperar após o ataque?
Pensando
friamente, não há muito que Paris possa fazer além do que já fez após o
episódio da Charlie Hebdo. Mais do mesmo: aumento da segurança nas ruas,
uso de inteligência para tentar frear os agressores antes que eles possam agir.
A
população não muçulmana pode dar mais ímpeto para políticos que pregam uma
saída radical. Marine Le Pen, assim, reforçaria sua posição para as ainda
distantes eleições presidenciais de 2017.
É
claro que se espera também a reação contrária, com milhares tomando as ruas
para inocentar os muçulmanos e pedir paz. Mas também, em vista de um segundo e
ainda mais traumático ataque, é inegável que a posição dos pacifistas se torna
mais fragilizada.
De
qualquer forma, um debate que há muito está na raiz das sociedades europeias
deve voltar à tona com tudo: o debate sobre a sustentabilidade do modelo de
multiculturalismo adotado nas grandes cidades europeias.
Em
um discurso em 2010, Merkel disse que o multiculturalismo era
"profundamente fracassado". A controvérsia tomou o país, com o então
presidente, Christian Wulff, retrucando que o islã já havia se tornado parte da
cultura alemã. Cinco anos depois, o país recebe de braços abertos milhares de
sírios e o "fracasso profundo" não gerou medidas claras de Merkel
para proteger ou resgatar o que seria um "espírito alemão".
Em
2011, foi a vez do primeiro-ministro britânico, David Cameron, que se
manifestou a favor do fim do "multiculturalismo de Estado", alegando
que os muçulmanos deveriam se adaptar aos valores do país. Novamente, o debate
rendeu e, em 2012, em vista dos quebra-quebras em Londres durante o verão,
analistas chegaram a falar que o multiculturalismo estava "morto".
Londres - Inglaterra |
Ainda
assim, Londres continua sendo uma das cidades mais multiculturais do mundo.
Pode
um ataque dessa magnitude pode levar a medidas radicais para que os muçulmanos
"amem ou deixem" os países não muçulmanos que adotaram como lar? Se
sim, quais medidas seriam essas? E elas trariam resultado?
Em
meio a tantas dúvidas, difícil imaginar um cenário em que os muçulmanos possam
sair ganhando.
*O
jornalista brasileiro Rafael Gomez é mestre em Estudos da Rússia e da Europa
Oriental pela Universidade de Birmingham, Reino Unido.
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