Análise: Quais podem ser as consequências do ataque para os muçulmanos
na Europa?
Rafael Gomez* Da BBC Brasil em Londres
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Par de tenis deixado durante a fuga do local onde ocorreu um dos atentados. |
Os sangrentos ataques em Paris, nesta
sexta-feira à noite (13 Nov 15), podem representar um ponto de inflexão para a Europa em um
momento delicado de sua história.
Eles
potencialmente geram um fator de união (como sempre ocorre neste tipo de
tragédia) em relação ao tema mais delicado do momento nas relações entre os
países do continente: a formulação de uma política comum em relação à onda de
imigração proveniente de países de maioria muçulmana.
Nunca
se tornou mais urgente a busca de uma solução comum. Neste momento, a reação na
França é, como não poderia deixar de se esperar, de intensa comoção e choque. O
próximo passo, que já se faz ouvir em meio às lágrimas e o sangue, será a busca
de culpados.
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Bandeira do Estado Islâmico
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Agora
que o grupo autodenominado "Estado Islâmico" reivindicou a autoria do
ataque, o natural é que a maior parte da opinião pública pressione as
autoridades para que tomem alguma atitude contra os muçulmanos como um todo -
punindo-os coletivamente, ante a dificuldade de sempre de separar-se os
muçulmanos radicalizados dos não.
Dada
a escala do massacre, é muito possível que essa visão prevaleça no gabinete do
presidente François Hollande, em vez da visão comedida de não escalar a
"guerra" contra os muçulmanos em um país em que tantos seguem a
religião.
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François Hollande - Presidente da França |
E
a reação mais fácil nesse sentido seria fechar as fronteiras. Não de forma
emergencial, como foi anunciado pelo próprio Hollande após o ataque. Mas
eliminar a concessão de refúgio, fechar de forma indeterminada a entrada dos
sírios e afegãos que atravessam o continente em um dos maiores movimentos de
migração da história recente. Negar-se a receber mais imigrantes, por ora.
Como
esse movimento de um dos países maiores países da Europa Ocidental afetaria a
reação de seus vizinhos - especialmente a Alemanha - em relação à imigração?
Auspicioso
o momento em que ocorre o ataque - ao final de uma semana que teve a cúpula dos
países europeus e africanos, em que os europeus tiveram novamente a
oportunidade de discutir a saída comum.
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Angela Merkel - chanceler da Alemanha |
Nela,
foram contrapostas as visões já conhecidas. A da Alemanha, defensora de que os
imigrantes sejam distribuídos entre os países europeus seguindo um regime de
cotas. A britânica, que prega que os imigrantes recebam ajuda e eventual
refúgio antes de arriscarem a vida na travessia entre Turquia e Grécia.
Não
houve avanços. A Europa permanece dividida. Mas surgiram mais sinais que, com o
ataque na França, devem ser agravados.
Por
exemplo: a Suécia, o país que, proporcionalmente à população, mais concedeu
refúgio a imigrantes entre janeiro e junho, anunciou durante a reunião a
reintrodução de checagem de fronteiras – tornando-se mais um país a colocar em
xeque as regras do Espaço Schengen, de livre circulação no espaço da UE.
A direita européia
Também
é necessário ver os ataques sob o contexto de crescimento dos partidos de
direita em vários países da Europa. E, na França em especial, da Frente
Nacional, de Marine Le Pen.
A
semente da xenofobia que alimenta esses partidos já há muito desabrochou e gera
frutos. Que efeito um ataque dessa magnitude em território francês teria sobre
esse sentimento?
É
natural imaginar que, na França e em países vizinhos, as mortes apenas reforcem
os argumentos desses partidos de que uma resposta mais contundente precisa vir,
de alguma forma.
Que
não se leve em conta que a França já é um dos que menos concedem asilo em
relação ao total da população (ganhando apenas de Finlândia e Reino Unido),
segundo levantamento da Eurostat, a agência estatística européia.
E
a corda, como diz a sabedoria popular, sempre tende a arrebentar do lado mais
fraco - neste caso, os imigrantes.
O fim do multiculturalismo?
E
os muçulmanos que já estão na França, o que podem esperar após o ataque?
Pensando
friamente, não há muito que Paris possa fazer além do que já fez após o
episódio da Charlie Hebdo. Mais do mesmo: aumento da segurança nas ruas,
uso de inteligência para tentar frear os agressores antes que eles possam agir.
A
população não muçulmana pode dar mais ímpeto para políticos que pregam uma
saída radical. Marine Le Pen, assim, reforçaria sua posição para as ainda
distantes eleições presidenciais de 2017.
É
claro que se espera também a reação contrária, com milhares tomando as ruas
para inocentar os muçulmanos e pedir paz. Mas também, em vista de um segundo e
ainda mais traumático ataque, é inegável que a posição dos pacifistas se torna
mais fragilizada.
De
qualquer forma, um debate que há muito está na raiz das sociedades europeias
deve voltar à tona com tudo: o debate sobre a sustentabilidade do modelo de
multiculturalismo adotado nas grandes cidades europeias.
Em
um discurso em 2010, Merkel disse que o multiculturalismo era
"profundamente fracassado". A controvérsia tomou o país, com o então
presidente, Christian Wulff, retrucando que o islã já havia se tornado parte da
cultura alemã. Cinco anos depois, o país recebe de braços abertos milhares de
sírios e o "fracasso profundo" não gerou medidas claras de Merkel
para proteger ou resgatar o que seria um "espírito alemão".
Em
2011, foi a vez do primeiro-ministro britânico, David Cameron, que se
manifestou a favor do fim do "multiculturalismo de Estado", alegando
que os muçulmanos deveriam se adaptar aos valores do país. Novamente, o debate
rendeu e, em 2012, em vista dos quebra-quebras em Londres durante o verão,
analistas chegaram a falar que o multiculturalismo estava "morto".
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Londres - Inglaterra |
Ainda
assim, Londres continua sendo uma das cidades mais multiculturais do mundo.
Pode
um ataque dessa magnitude pode levar a medidas radicais para que os muçulmanos
"amem ou deixem" os países não muçulmanos que adotaram como lar? Se
sim, quais medidas seriam essas? E elas trariam resultado?
Em
meio a tantas dúvidas, difícil imaginar um cenário em que os muçulmanos possam
sair ganhando.
*O
jornalista brasileiro Rafael Gomez é mestre em Estudos da Rússia e da Europa
Oriental pela Universidade de Birmingham, Reino Unido.