Em
novembro de 1910 as tripulações do Encouraçado São Paulo, do Encouraçado Deodoro, do Encouraçado Minas Gerais e do Cruzador
Bahia, lideradas pelo marinheiro João
Cândido, se revoltaram no Rio de Janeiro contra os maus tratos, a má
alimentação e o excesso de trabalho. Com os canhões das belonaves apontados
para a capital do país, exigiram o fim dos castigos físicos a bordo.
Conforme relatos,
a noite foi tensa, a população do Rio de Janeiro pôde, então, ver os
navios de guerra desfilando pela baia de Guanabara, evoluindo entre as ilhas
Fiscal, das Cobras e Villegagnon com bandeiras vermelhas tremulando. A cor
mostrava que a embarcação estava rebelada e convocava os marinheiros para a
luta. Os corpos dos mortos em combate foram depositados no cais. Em terra, a
população estava assustada com os acontecimentos. Famílias inteiras deixaram o
Rio de Janeiro temendo um bombardeio. Foram dados alguns disparos de
advertência pelos navios revoltosos que também fizeram vítimas civis.
Quem
era João Cândido
Felisberto? Nascido em Encruzilhada do Sul (Província do Rio Grande do
Sul), em 1880. Filho de João Cândido Felisberto e Inácia Felisberto
(escravos libertos), João Cândido alistou-se na Marinha do Brasil em
1984 e foi um dos líderes da Revolta da Chibata.
Os amotinados,
liderados pelo marinheiro João Cândido Felisberto, apelidado pela imprensa da época
de “Almirante Negro”, tiveram suas reivindicações atendidas – a punição com chibatadas
foi extinta –, mas uma semana depois quase todos foram presos, mortos ou mandados
para seringais na Amazônia.
Desde o Império, os marinheiros brasileiros eram quase todos
negros ou mulatos recrutados pela polícia e comandados por oficiais brancos. De
acordo com seu código disciplinar, não podiam se casar, e as faltas graves eram
punidas com “vinte e cinco chibatadas, no mínimo”. Com a Proclamação da
República em 1989 a punição foi extinta, mas foi reabilitada um ano depois,
embora fosse considerada degradante porque toda a tripulação deveria assistir
ao castigo, reunida no convés dos navios.
A punição no dia 16 de novembro ao marinheiro Marcelino
Rodrigues Meneses no encouraçado Minas Gerais adiantou os acontecimentos.
Marcelino recebeu 250 chibatadas por levar cachaça a bordo e ferir um cabo a
navalha. Desmaiou, mas o castigo prosseguiu, o que revoltou a tripulação. Na
noite de 22 de novembro, quando chegaram à baía de Guanabara, os marinheiros do
Minas Gerais mataram seis oficiais, entre eles o comandante Batista das Neves,
que voltava de um jantar no navio francês Duguay-Trouin.
Um dos oficiais, o segundo-tenente Álvaro Alberto, escapou
para o encouraçado São Paulo e avisou os outros oficiais, que fugiram para
terra firme. Ainda mesma noite, o motim alastrou se para os encouraçados São
Paulo e Deodoro, o cruzador Bahia e a quatro embarcações menores.
No dia seguinte, um ultimato foi enviado ao governo,
redigido pelo marinheiro Francisco Dias Martins, que se autodenominava Mão
Negra, mas atribuído a João Cândido.
Os marinheiros exigiam anistia para os revoltosos e o fim
das chibatadas, ameaçando, caso não fossem atendidos, com o bombardeio do então
Distrito Federal em 12 horas. Como a subversão da hierarquia era um dos
principais crimes para as forças armadas, a Marinha, o Congresso e o governo
divergiram quanto à resposta a ser dada aos rebelados.
A incapacidade de derrotar o motim ficou patente no dia 24
de novembro, quando duas embarcações foram rechaçadas pelos amotinados, que
também bombardearam a instalações da Marinha na ilha das Cobras e dispararam
contra o palácio do Catete, sede do governo federal. Parte da população da
cidade fugiu para longe da orla, e outra parte foi ver os navios amotinados. A
tentativa do deputado e capitão de mar e guerra José Carlos de Carvalho de
negociar com os marinheiros foi infrutífera, e no dia seguinte, 25 de novembro,
o ministro da Marinha, almirante Joaquim Marques Batista Leão, determinou que
os navios rebelados deveriam ser postos “a pique, sem medir sacrifícios”. O
governo e o Congresso, no entanto, não concordavam. Rui Barbosa, deputado e candidato
à presidência da República derrotado por Hermes da Fonseca, considerava os castigos
corporais abusivos após a abolição da escravatura e defendia a anistia dos rebelados.
Esta veio no dia 26 de novembro, quando o presidente Hermes da Fonseca declarou
que os castigos físicos estavam abolidos e que os revoltosos que se entregassem
seriam anistiados. As armas foram depostas, e as embarcações devolvidas no dia
27, terminando assim a rebelião. No entanto, no dia seguinte, alguns
marinheiros foram expulsos da corporação, acusados de indisciplina.
Uma semana mais tarde, em 4 de dezembro, quando quatro
marinheiros foram presos, os fuzileiros navais da ilha das Cobras se
sublevaram, mas foram bombardeados durante todo o dia, mesmo tendo se rendido.
Havia seiscentos revoltosos dos quais pouco mais de cem sobreviveram e foram
detidos na fortaleza de São José, na mesma ilha. Entre eles, 18 foram
recolhidos numa cela escavada na rocha viva. No dia seguinte, havia apenas dois
vivos, João Cândido e o soldado conhecido como Pau de Lira. Outros marinheiros foram
levados à força para seringais na Amazônia, e parte foi fuzilada no caminho. Ao
ser solto, João Cândido tentou reunir novamente o comitê de marinheiros, tentou
ser recebido por Rui Barbosa e Severino Vieira, outro deputado favorável ao
atendimento das reivindicações dos rebelados, negou ser contra a manifestação,
mas foi expulso da Marinha. Seis meses depois, em abril de 1911, foi detido no
Hospital dos Alienados como louco. Solto e absolvido em 1912, tornou-se
estivador e vendedor de peixes no mercado da Praça XV, em frente ao porto. Sua
ficha na Marinha informava que, em 15 anos, havia sido castigado nove vezes, preso
em celas solitárias e rebaixado duas vezes de cabo a soldado. Continha ainda
dez elogios por bom comportamento, o último em agosto de 1910, três meses antes
da revolta. João Cândido morreu em 1969, aos 89 anos, esquecido, mas não sem
antes registrar seu depoimento no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.
Não se tem notícia de seus companheiros de rebelião.
Na década de 1970, a
Revolta da Chibata voltou à baila com Mestre-sala
dos mares, música de João Bosco e Aldir Blanc no estilo de samba-enredo, que
homenageava João Cândido. A menção, na letra, a seu apelido Almirante Negro foi
censurada e substituída por “navegante negro”. Em 22 de novembro de
2007, no aniversário de 97 anos da Revolta da Chibata, João Cândido foi
homenageado com uma estátua que ficou nos jardins do Museu da República e,
agora, encontra-se na Praça XV, próxima a antiga estação das barcas. Em 24 de julho de 2008 o Diário
Oficial da União publicou a Lei n°
11.756, que lhe concedeu anistia, mas vetou sua reintegração à Marinha.
FONTES: ROLAND, M. Revolta; SILVA, M. João Cândido.
Sobre o assunto, segue o link para assistir ao documentário.
https://youtu.be/pgmFiwj8Y5k